quinta-feira, 10 de junho de 2010

1986 – O Gol de Zico

Eram apenas dez anos de vida e minha segunda copa do mundo. Adorava aquele time do Brasil, embora quando criança não entendesse nada de esquemas táticos ou funções de cada jogador dentro da partida.

Julgava nosso goleiro Carlos como o melhor do mundo, afinal eu não o vira tomar gol até aquele jogo. O time todo era muito bom. Careca, Sócrates, Alemão, o Muller novinho e claro, o Zico.

O camisa dez tinha classe, categoria, técnica e inteligência acima do comum. Seus dribles espetaculares e seus gols, mágicos. Personificava o inconsciente coletivo do camisa dez.

O Zico passara o ano anterior se recuperando de uma lesão no joelho, mas nunca deixou de ser o craque que mudaria qualquer situação. E foi exatamente o que aconteceu naquele dia 21 de junho de 1986.

O Jogo era pelas quartas de final contra a seleção da França de Michel Platini. Aquele ano já havia acontecido desastres demais: O Sarney era presidente e surpreendia o país com seu o plano cruzado, a nave espacial Challenger havia explodido e Chernobyl contaminava o mundo com sua enorme nuvem radioativa. E na história das copas, o Brasil não ganhava havia 16 anos.

Todos em suas casas aguardavam a partida em Guadalajara, México. Era o mesmo país palco da glória de 70. Seria o destino preparando um reencontro com a vitória?

No Brasil, as ruas pintadas, as caras apreensivas, o silêncio angustiante dos rojões. O trauma mal cicatrizado da queda em 1982 ainda pulsava. Se esse time de 86 era bom, o de 82 fora incrível. Mas o incrível caíra diante os pés impiedosos de Paolo Rossi.

Essa seria a hora da redenção de Telê Santana, que teria de fazer seu time voar. Havia uma necessidade coletiva, uma ânsia amarga para que o tempo fizesse justiça à seleção que havia perdido para a Itália.

O primeiro tempo foi marcado por lances geniais, especialmente o que se tornou o primeiro gol do Brasil. Josimar, pela direita e passa para Muller que ao seu melhor estilo, recebe de costas para o gol. Faz o pivô deixando três franceses para trás. Avança pela meia direita, passa para Júnior que corria a poucos metros. Com apenas um toque suave na bola, Junior coloca Careca de frente para o gol. Foi um chute preciso. Brasil um a zero.

Os franceses não desanimaram e o jogo esquentou. Pouco mais de vinte minutos, Carlos era vazado pela primeira vez. Amoros cruzou pela direita, Carlos não pega e Platini completa. Jogo empatado. Dentes e punhos cerrados. Frio na barriga.

Era aniversário de Platini, mas a festa era pra Zico. De fora da partida até os vinte e sete do segundo tempo, o camisa dez mal entrara e já colocava Branco de cara para o gol. Zico rolou tão perfeitamente a bola para Branco entrar na área, que o goleiro francês Bats foi obrigado a fazer o Pênalti.

Zico, mesmo frio, pegou a bola. Com leveza, carregou um mundo verde-amarelo em seus ombros. Ao mesmo tempo, jogadores da seleção se abraçavam de felicidade. O momento era aquele. Pênalti e Zico significavam meio gol.

O Galinho ajeitou e deu três passos largos para trás. Olhos nos olhos com Bats, mas sinalizou um momento de fraqueza. Deixou que o goleiro percebesse o segundo em que mirava seu canto esquerdo. Conteve o suspiro. Não sonhou com a glória, não ouviu a torcida. Não sentiu a ansiedade de seus companheiros. Não teve medo. Chutou com classe.

Ainda fitando o canto esquerdo do goleiro, pegou caprichosamente mais embaixo da bola fazendo com que ela subisse em uma trajetória singular. Um arco que seria assunto em telejornais do mundo. Equações matemáticas seriam insignificantes para traduzir o que foi a simplicidade do movimento.

Não encobriu o goleiro, pois este caiu na ardilosa armadilha de Zico. Ficou lá, deitado para sempre na história naquele minúsculo metro quadrado ao lado de sua trave esquerda. Bats não teve tempo de ver a bola, bem no centro do gol que ainda antes de cair passara rente ao travessão. Os jogadores do Brasil já a levavam ao centro de campo, juntamente com o herói da classificação.

Zico já estava na história, afinal, depois de Pelé nunca se vira alguém vestir com tanta maestria e perfeição uma camisa dez. Zico agora estava na história juntamente com a glória de ter entrado para um jogo apenas para mudar seu destino, e com ele o destino da seleção brasileira.

ASSISTA O GOL DE ZICO NESTE VÍDEO